segunda-feira, maio 28, 2012

BRASIL

O retrato de um país racista

O relato abaixo foi escrito pela madrugada um dia depois do acontecimento, (considerando que passei alguns dias sem conseguir dormir) e encaminhado a Corregedoria da Polícia Militar e ao Ministério Público.


Meu nome é Sandra, sou funcionária pública a 10 anos. Atualmente sou Coordenadora Pedagógica de uma escola municipal aqui em Goiânia. Sou formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás, e Especialista em Educação Integral, também pela UFG, ou seja, sou uma cidadã honesta e sem antecedentes criminais de qualquer especie.

O fato de eu ser negra, pobre e moradora de um bairro periférico em Goiânia, onde há muitas ocorrências de trafico de drogas, não dá a alguns policiais corruptos e mau caráter o direito de me tratar como bandida.

Ontem, dia 23 de março de 2012, fui agredida fisicamente, verbalmente e presa publicamente por policiais militares na porta da minha casa.

Tenho certeza que um dos principais motivos foi o racismo, pois o sargento me xingou inúmeras vezes... e demostrou manifestações racistas e de intolerância a classe social que pertenço.

Eu tinha chegado do trabalho (da escola que atuo como coordenadora pedagógica) e estava sentada no sofá da minha casa, quando por volta das 20 hs e 10 minutos, minha prima chegou com seu esposo. Os dois estavam indo até a feira e passaram lá em casa para falar comigo.

O esposo da minha prima entrou cumprimentou e conversamos um pouco. Logo, eles decidiram se despedir e seguir até a feira, e quando o Fabrício, (esposo da minha prima) foi saindo para fora do portão, de repente chegou um carro de policia e um dos policiais o sargento Manoel já desceu do carro gritando com o Fabrício para que ele se encostasse no muro. E na maior estupidez, mandou eu e a esposa do Fabrício entrarmos para dentro e fechar o portão.

Eu disse que o rapaz estava dentro da minha casa e que era conhecido. Então eles me mandaram sair de perto deles, caso contrário usariam de força. Alegando que eu não poderia presenciar a abordagem.

Assim, eu fui para o outro lado da rua com a Nilzilene (prima). Um dos policiais, (o sargento Manoel) que se mostrou o tempo todo mais estúpido e agressivo, perguntou se o Fabricio tinha passagem pela policia, e ele respondeu que não. Ai pegaram os documentos dele para confirmar pelo rádio da viatura.

O policial ao ler o nome dele na identidade ao invés de dizer Fabricio, pelo radio falou Francisco, ai eu disse que eles passaram o nome errado. Então o 3º Sargento: Manoel Mendes de Moraes me mandou calar a boca e me xingou de vagabunda. Disse ainda, que se eu dissesse mais uma palavra eu ia acertar com ele. E como ele falou o nome do Fabrício errado, a resposta da viatura veio dizendo que o tal Francisco com o sobrenome do Fabrício, tinha passagem. Então o policial partiu para cima do Fabrício falando que ele tinha mentido para ele, e que ele já tinha passagem.

Nesse momento, eu entrei no meu portão e peguei meu celular para ligar para um amigo (advogado) e perguntar o que fazer naquela situação pois o nome passado pelo policial estava errado.

Quando ele (o 3º SG PM Manoel M M) me viu com o celular na mão ele gritou SUA VAGABUNDA VC NÃO VAI FILMAR NADA AQUI NÃO, tomou o celular da minha mão e mandou a mão no meu rosto. Ai eu falei para ele que eu poderia processá-lo, pois conhecia meus direitos e sabia que ele não podia me ofender com xingamentos muito menos me agredir. Ai ele me deu outro tapa, torceu meus braços para trás, me algemou e me jogou dentro da viatura.

O SG PM Manoel, foi me humilhando, me agredindo verbalmente ate a delegacia. Ao chegarmos lá, o soldado Brito desceu para verificar o melhor lugar para estacionar a viatura, nesse momento, o sargento aproveitou que estávamos sozinhos e me ameaçou. Disse que eu estava ferrada na mão dele e que ele era chefe dos traficantes do meu bairro e que se eu o denunciasse ele mandaria um dos traficantes me matar. Após fazer essa afirmação, eu disse ao sargento que usaria o que ele falou para argumentar minha vulnerabilidade perante a justiça. Então ele entrou em contradição e afirmou que se eu insistisse em dizer que ia até a corregedoria, eu só teria problemas pois processos ele já tinha muitos e que esse não ia fazer diferença para a vida dele, mas para minha sim.

Ao chegar na delegacia ele mudou completamente seu comportamento e ficava comentando com os outros policiais que eu havia os agredido e desacatado. Enquanto eu permanecia de pé no meio da sala de recepção do 8º distrito da policia civil no setor Pedro Ludovico, o Sargento Manoel formou uma roda com outros PMs que estavam lá, na parte de fora da delegacia, e mexiam no meu celular buscando identificar se eu havia feito alguma gravação.

Devido ao constrangimento e humilhação que eu estava passando, com todas as pessoas presentes me olhando, eu só conseguia chorar. Alem da vergonha, as algemas me machucavam muito.

Enquanto eu esperava lá de pé servindo de espetáculo para todos, o sargento Manoel passava perto de mim e ria da minha cara. Entrava na sala do delegado conversava com ele e saia rindo e me olhando, uma forma de me humilhar e intimidar.

O outro policial que estava com o sargento que me agrediu, (o soldado Brito) em particular, me pediu para ser justa e não envolvê-lo no processo que eu pretendia montar contra o sargento Manoel que me xingou e agrediu fisicamente. Disse que ele não podia fazer nada para me ajudar lá dentro, que não poderia ir contra o sargento, mas que eu deveria mesmo ir ate a corregedoria porque eu estava certa; segundo ele o sargento agiu com agressividade e utilizou-se de excessos desnecessários'. Disse ainda, que se ele estivesse mais próximo a mim, no momento da agressão, teria impedido que o sargento me desferisse os tapas e empurrões.

Quando fomos para o IML fazer o exame de corpo delito, o sargento que me agrediu foi dizendo que estava nervoso tentando me fazer desistir do processo, claro, depois que viu toda a minha família na delegacia e todo mundo com celular cada um ligando para uma outra pessoa na tentativa de arrumar um advogado.

Com certeza o sargento Manoel percebeu que eu não era uma negra pobre, ignorante e vagabunda como ele havia me qualificado. Notou que tenho uma família e amigos que me apoiam e que se deslocaram de suas casas até a delegacia para me apoiarem. E que na mesma finalidade seguiram a viatura ate o IML para também me proteger.

Minha irmã que cursa direito na catolica chegou e pediu para os policiais tirarem minha algema, afirmou que não havia necessidade de que eu permanecesse algemada, pois eu não representava risco algum a integridade física ou moral de qualquer pessoa. Só ai tiraram as algemas... Eu já havia feito essa solicitação várias vezes, repeti que sou educadora e não era necessário me manterem algemada como se eu fosse uma criminosa.

Nunca fui tão humilhada e ofendida... Tenho certeza que entre outros um dos motivos foi discriminação racial. Se o Fabrício e eu fossemos brancos ele não teria agido assim. Meu esposo também saiu para fora do portão, e nem assim eles o mandaram ir para o muro, (detalhe, meu esposo e minha prima possuem pele mais clara).

Acredito que o sargento teria me agredido ainda mais, se não fosse a manifestação clara de desaprovação e intervenção por parte do soldado Brito.

Preciso de um advogado para me defender no dia da audiência e para me ajudar no processo contra esse policial.

Tenho a cópia do relato dele e do meu. Entretanto ele mentiu vários fatos. Chegou a afirmar em seu relato que minha casa é um ponto de venda de drogas, para justificar sua ação injustificável. Felizmente tenho como provar que tudo o que ele disse foi mentiras. O sargento Manoel, em seu depoimento, alegou ainda que me prendeu por que eu sai de dentro de casa gritando, os xingando, e que eu portava um objeto não identificado (no momento) nas mãos. E que ele pediu para eu colocar o objeto no chão e eu desobedeci as ordens dadas...

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Assim, ao chegar em casa depois de passar toda a noite na delegacia, meu esposo me relatou que o sargento Manoel, o chamou para fora do IML e pediu para ele me convencer a não processá-lo, pois estava nervoso no momento que me agrediu.

Mas eu não vou, e nem posso mudar de ideia e deixar de processá-lo. Ele me chamou de vagabunda e me bateu na frente de todos os meus vizinhos, da minha família (mãe, pai e esposo) e o que é pior, na frente dos meus dois filhos menores. (12 e 6 anos de idade)

O sargento Manoel ficou totalmente descontrolado, parecia estar fora de si. Volto a dizer que se o outro policial o soldado Brito, não estivesse tentando acalmá-lo o tempo todo, com certeza ele teria me agredido ainda mais.

Pensei que o delegado ia me ouvir. Mas ao contrário, apenas a escrivã me ouviu. O delegado só entrou na sala, onde eu estava tentando esclarecer os fatos, para assinar o documento e passar meus dados pelo telefone.

No dia 4 de junho de 2012 acontece a audiência onde serei julgada por desacato a autoridade policial... Irônico, não é mesmo?

quarta-feira, maio 09, 2012